quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Coisas que a escola não ensina.

 Há várias coisas que se levam de aprendizagem da escola. Escrever, somar, ler são as coisas básicas, o resto é coisa que - se por algum motivo é levado para vida - é usado no trabalho de quem aprendeu. 
 Mas tem coisas que os professores não conseguem ensinar, nem amigos, nem família: Amor não tem como se ensinar.

 O professor da Gramática diria: 
- Ora, mas as palavras conseguem descrever o que sentes.
 Eu debateria dizendo que não há palavra que consiga cobrir tão majestoso sentimento, não há adjetivo que consiga qualificar. É como quando se vai ao médico por estar com um desconforto dentro das tripas e o dito te pergunta:
- Coça como picada de mosquito?
 E respondes:
- Não.
- Pinica como etiqueta de camisa?
- Não.
- Doí como beliscão? Arranha como unha de gato? Te dá gastura como quando alguém esfrega isopor ou balão?
- Hm...não, não e não.
- Então, por obséquio - diz o moço de jaleco branco - tente me explicar.
- Coça como se estivesse pinicando, mas dá pontada como se arranhasse. Quando rio ou me levanto bruscamente, puxa como uma alavanca.
 A diferença entre o amor e a dor nas tripas é que, mesmo sem ter como explicar, o médico te entende e te receita remédio, pois a dor é física. Já o amor é algo "psicofisicoespiritual" sem cura. 

 O professor da Matemática ousaria dizer:
- Os números. Esses sim, pois são infinitos.
 Eu, menino que sempre bate-boca, empinaria o nariz e falaria. 
- Caro mestre, os números são coisas muito lógicas. Apesar de não terem fim, não há frações de amor, nem décimos de amor, supondo que esteja falando do amor verdadeiro. Quando não é puro, não é amor. É gostar, é admirar, mas não amor.

 O de História falaria:
- O amor é algo que veio com o tempo. Antigamente havia casamento por negócios. Amor é criação da atualidade.
 O de Geografia e o de Sociologia argumentariam:
- Amor é algo que vem de população e de cada população.
- Sim, sim. É algo cultural. 
 Ainda que fosse assim, eu me levantaria e reclamaria.
- Meus docentes queridos, os povos podem se amar sim e até pode ser coisa da atualidade, mas não é questão de como e de onde ele veio, mas como descrevê-lo.

 Lá longe eu ainda ouviria em meus pensamentos os professores de Física e de Química debatendo o que veio antes.
- Se não haver física, não há química.
 O professor quis dizer em sentido de "cargas de sinais opostos se atraem". Não em relação ao sexo (já que nos tempos de hoje...), mas sim em experiências. Um mais esperto e vivido com outro que ainda tem o que viver.
- Sempre tem um que tem que fornecer algo ao outro e vice-versa, para poderem viver em equilíbrio. Como em Calorimetria - diria o professor de física com um sorriso no rosto.
- Mas, nesse negócio de emprestar, dar e dividir são os átomos - diria o químico. Sempre temos que dividir, emprestar e agir como agem os átomos para podermos caminhar juntos, almejando sermos melhores um para os outros, querendo ser "gases nobres". É assim que funciona o amor.
 No meio da discussão, o mestre de Biologia diria que o tal de amor não passa de trocas de gametas, de "cruzamentos", como se fossemos animais.
- Meu queridos, também não se passe de quem vem antes ou depois, muito menos de relações ou apenas relações. 

 Todos os teachers se voltariam para mim. Um deles, uma voz qualquer, de qualquer professor perguntaria:
- Então, sabichão. Amor, o que é?
 Eu, por ironia, ensinaria quem me ensinou.
- Amor se sente. Apenas. Talvez as matérias que poderiam almejar seriam a Literatura, as Artes e a Filosofia.  Camões explicou sem explicar. O Abstrato de artes desenha o que se pode imaginar como é o amor. A filosofia dos filósofos seria a explicação para o que a mente pode sentir. Mas, quando se entende as matérias que eu citei, perde-se o que eu tento explicar. 


 Amor é isso e mais um pouco, ou talvez nem isso e menos. Bem, não sei explicar...

Último desejo.

Antes que tudo acabe, quero passar os últimos dias da minha vida com você. Não, não tem nada relação alguma com as profecias que determinam data e hora para o fim do mundo, mas para os últimos dias do meu mundo.
Passar os últimos segundos olhando nos teus olhos, sentindo o leve roçar dos meus dedos nos seus cabelos finos, provar o doce sabor dos lábios imitando rios que se cruzam. Viver a certeza de poder te ter hoje em troca da dúvida do amanhã sem ter você do meu lado.

Esse é meu desejo. Meu último pedido de salvação do meu mundo.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Quebra - Cabeça

Você completa
Você sintoniza
Você junta
Você une

Não tem eu sem você
Já somos nós
Não tem como desunir
Não tem como desamarrar

Preencher
Me encher
Me complementar
Me completar

A peça que faltava
O que antes era vazio
Achou quem tampasse
E agora é repleto.

Completo.
Transbordante.
Abundante.
Nós unidos.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Uma noite totalmente sua.

 Estava preso no trânsito caótico diário das seis horas. O tempo abafado fazia meu estresse aumentar diante daquela imensa fila de carros parados, ancorados, plantados na minha frente. Liguei o ar condicionado, mas não funcionava para esfriar-me, uma vez que o que me fazia ferver eram os neurônios. Um dia cansativo e, em seguida, pegar um engarrafamento desses era para quem tem nervos de aço, mas os meus já estavam fundindo. Para tentar relaxar, liguei o rádio. O som que saía dos auto-falantes eram familiar. Minha tentativa de relaxar foi por água'baixo quando descobri qual música se tratava. 
 A melodia que saía da estação de rádio que eu sintonizei era aquela que eu tinha dedicado para você. Eu estava olhando para fora, com o cotovelo esquerdo na porta e a mão do mesmo lado segurando a haste do meu óculos quando reconheci a música. Confesso que queria ver meu rosto naquele momento: eu, tentando me libertar daquele estresse, quando ouvi e reconheci a música. Fiquei atônito. Minha boca, antes fechada, abriu naturalmente assustada. Meus olhos, que são levemente fechados, se arregalaram. Eu virei a cabeça lentamente em direção ao rádio. 
 Foi então que, como um reflexo, um instinto, desliguei o rádio. Esqueci que queria relaxar e fiquei preso naquele pensamento: você. A música tinha acabado, mas você não se foi com ela. Eu sabia aonde a melodia tinha parado e, para meu infortúnio, eu sabia a maldita letra dela, uma vez que tinha cantado ela para você acompanhado do meu violão. Como em um clipe, um flashback, os momentos bons voltaram, os sorrisos voltaram, você voltou. Era como se eu tivesse libertado um pássaro de dentro de mim. Um não...vários. Uma revoada de sentimentos e memórias se libertou. Lembranças que eu tinha levado semanas para recolher, caçar e prender dentro da gaiola do esquecimento.
 Mas não, eu faria de tudo para esquecê-la. No princípio foi até fácil, já que eu, ainda achando que estava preso no trânsito, ouvi um "DÁ PARA ACELERAR , TIO?". Foi a minha deixa para acelerar como um louco e dirigir freneticamente até chegar no meu apartamento.
 Chegando no meu lar, joguei o paletó em cima da cama e o que tinha no bolso na mesa do escritório, desabotoei os primeiros botões da camisa social e fui para o notebook junto com a minha maleta do trabalho. Tinha levado coisas do serviço para serem finalizadas em casa e era isso o meu plano para me entreter, para te deixar de vez para lá. 
 Liguei, digitei a senha, abri os "Meus Documentos". Me preparava para clicar em "Doc. da Imobiliária" quando eu vi a pasta logo abaixo, de nome "Lembranças". Não teve como não abrir. Já de cara apareceu a foto do aniversário do Fernando, o nosso amigo em comum que nos apresentou no dia em que fomos comemorar os 23 anos dele. Algumas dezenas de fotos depois, a foto nossa no parque foi a que me deixou ali, sem fala. "CHEGA, vou ouvir música!". 
 Pobre decisão minha. Música, minha paixão desde que me conheço por gente...até ela tinha me traído. A primeira que coloquei era uma que gostava, animada, mas o aleatório me atingiu como uma bala de arma. A próxima música era "A cruz e a Espada". O começo me descrevia, ao mesmo tempo que me fazia um fino fio de água descer dos meus olhos.   "...aquele beijo era mesmo o fim..." ficou em minha cabeça e lembrei do primeiro e do último beijo nosso. O primeiro beijo era o começo do meu fim. O último marcava o fim de uma época e o começo doloroso de outra.
 "Parabéns, seu masoquista". É...eu tinha tocado na ferida. Aberto a cicatriz. Tudo me persuadia à ligar para você. Eu queria, mas era orgulhoso demais para fazê-lo. Você, toda linda, com certeza com alguém do lado agora, vendo TV ao lado dele, sorrindo para alguém que não era eu. Não, não ia dar o gosto de te deixar rindo desse besta.
 O início da noite me silenciava e eu não sabia mais o que fazer. Não tinha mais saco para fazer o trabalho, ouvir música ou ver TV. Queria telefonar para alguém...mas quem? Suas amigas eram suas confidentes e também minhas amigas. Meus amigos eram seus amigos.
 Então resolvi, após pensar até me acabar, tornar essa sua noite. É...tipo um feriado de uma santa pessoal, mas que iria louvar só nesse ano. Imprimi uma foto que aparecia você do peito para cima. Um busto de uma estátua para ser amada. Acendi velas e incenso. Ouvi as músicas que me lembravam você, li as cartas, li as SMS's antigas, re-vi os presentes, olhei as fotos e ri dos momentos bons. Lhe agradeci, mentalmente, por ter me amadurecido mais. Libertei-me dos pássaros que moravam naquela gaiola. Falei tudo o que sentia para a noite estrelada, sem mentiras ou meias-verdades, sem me esconder por trás de uma máscara de orgulho ou tapar a boca com uma mordaça de pseudo-verdades. Te amei e adorei como nunca. Era meu jeito de me livrar e sepultar o seu fantasma. Era meu obrigado e era meu adeus.




Lembranças do passado.

  Acordei hoje relativamente cedo. Não tinha nada para fazer o dia todo. Não aguento ficar assim, então fui procurar "sarna pra me coçar". Já fui ver o horário do dentista, terminei de fazer a maquete do meu irmão...VOU ARRUMAR O QUARTO. Limpei o meu cantinho, passei o aspirador e ajeitei. Acabei cedo demais. Não tinha saciado a vontade de fazer alguma coisa, foi então que resolvi abrir a última gaveta do meu guarda-roupa para arrumar a bagunça que eu jogo lá. Eu abri a gaveta e com ela veio toda a tralha que eu joguei lá durante 3 anos. Além dessa gaveta, física, material, pesada, abri a gaveta da lembrança. Gaveta não, baú do tesouro. Juro que nem estava no clima de despedida do Terceiro ano do Colégio SESC São José, ia deixar a nostalgia para o dia 14/12/2012, mas não deu.
 Encontrei provas que tinha feito com a Professora Silvana, atividades processuais da Professora Letícia, erros completamente idiotas na prova de física do Leandro, a prova gabaritada que me dava orgulho e que fazia eu achar que gostava da matéria que a Kátia ensina, as provas de história sobre questões do passado que o André trazia para o presente, dos erros na matemática da Professora Tati. Não sei se algum dia terei coragem de jogar toda aquela papelada fora. Sou apegado a lembranças. Vai ter dias como esse no futuro que eu olharei tudo de novo e lembrarei. Lembrarei dos murros no quadro do Marcelo, dos "Oh turminha"! da Daiani, dos "Seus chupa-cabra" do Thomas Turbando.
  Me bateu uma alegria de lembrar tudo isso, mas também uma tristeza de não poder viver esses momentos de novo. A gente sempre pensa que terá o amanhã para curtir de novo, mas esquece que o amanhã de hoje foi ontem. Pensem nessa frase destacada um pouco e acharão o sentido dela.
  Eu sei que tem gente que não vai ler, gente que vai ler e não vai sentir a mesma nostalgia que eu. Sei que tem professores que eu nunca me esquecerei, bem como eu também sei que tem docentes que são extremamente profissionais e que me deletarão após o dia da formatura. Para alguns colegas de escola talvez serei uma linha que teve começo no dia do "Oi, tudo bem?" e que acabará no dia do "Sentirei saudades", mas também haverá aqueles para quem eu serei uma circunferência, que nunca tem fim e o começo se perdeu. Mas, eu tenho um pedido para fazer a todos...
  Daqui a 5, 10, 20 ou até mesmo no ano que vem, se você (seja professor, amigo, colega, tia da cantina...) me ver andando na rua, no shopping, ou seja lá aonde, tirando casos de alguma especificidade que o momento exija, me para, me dê oi. Não fica com aquela cara de "Será que ele lembra de mim?". Mesmo se eu não lembrar, se apresente de novo.

    Se eu realmente tenho o direito de lhe pedir um favor, que seja esse.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Conversas de bar

 Esses dias tive uma conversa com meu melhor amigo, o Jorge. Esse cara me acompanha desde o ginásio, ou seja lá como se chama hoje, talvez 5ª série. Hoje está bem resolvido, carro 2010/2011, sobrado quitado, mas continua solteiro e à procura de uma russa de olhos azuis (seu sonho desde que viu Angelina Jolie em Salt, mas tem o desejo de acordar com os olhos da Megan Fox olhando para ele).
 No dia em questão, uma sexta feira, eu, ele e mais dois colegas, Ricardo e a Edna, tínhamos saído do trabalho e ido no bar do Seu Constâncio, já conhecido nosso. Íamos comemorar a gravidez da esposa do Ricardo. O dono do bar levantou um copinho de pinga para o alto e disse:
- Uma rodada de cerveja grátis para o Ricardo e "pro'cês" - terminando a frase com um sorriso largo atrás do bigode.
- Eu recuso a cerveja, mas aceito um suco natural - retorquiu Edna, afirmando estar de dieta.
- Recusar cerveja recusa, mas abrir mão dos bolinhos Ana Maria do cafézinho lá no trabalho que é bom... 
- Ora, cale a boca Jorge.
 Depois de uma longa gargalhada e um breve brinde ao novo papai, Edna e Ricardo foram embora. Eu e Jorge ficamos lá, jogando sinuca, jogando dominó, jogando cartas, jogando papo fora. Foi quando Jorge me puxou e me disse ao ouvido:
- Olha... DISFARÇADAMENTE... a loira que acabou de entrar.
 Olhei. Não disfarçadamente como me pediu Jorge. Parecia um cachorro atrás de algo que o dono tinha jogado. Virei a cabeça freneticamente, como a menina do Exorcista, procurando a tal loira enquanto Jorge virava fingindo um "não sei quem é". Encontrei o alvo. E que alvo de pernas longas e lindas, bem vestida com uma roupa rasgada atrás, mostrando uma tatuagem familiar nas costas.
 O brilho no olhar acabou quando um musculoso abraçou ela por trás e disse que queria uma "loira gelada" e um refrigerante para a loira dele. Logo pensei "Que cara egoísta, eu aqui com uma loira morna e ele com duas, uma gelada e outra fervendo de gostosura." Então avisei Jorge, que não tinha visto a cena ainda.
- Desencana cara, aquela tem dono.
- AH...ELA PARECE COM A ANGELINA DE OLHOS AZUIS. 
- Parece mesmo.
 Também parecia uma ex-nam...espera, espera...não pode ser. Era! Minha ex. A própria. A tatuagem não deixava eu me enganar. Ela, bem ali, com um cara duas vezes maior que eu e eu aqui, solteiro desde a última vez que ela me deixou em um ônibus.
- O que foi, desgraçado?
- Ai cara...sabe a loira? Então...minha ex.
- O QUE? - risada sem som - Ela e você? - olhada para loira e para mim - Ainda bem que ela largou um magrelo quebrado como você.
- Poxa cara, fomos tão felizes. Os passeios no parque, no cinema...sinto saudade até da mãe dela, que me tratou super bem...Ah, o nosso casamento e a lua-de-mel na Europa, navegando de gondola pelo ri...
- Espera um pouco aí - disse meu amigo, completamente sério e com olhar zangado na face - Você se casou e não me convidou?
 Por frações de segundos fiquei sem reação até que me caiu a ficha.
- Jorge, meu caro, conheci ela no ônibus, sai para passear com ela no ônibus, casei com ela no ônibus e no fim fomos navegar de gondola com ela no ônibus. Daí, ela desceu da gondola pois o tubo dela tinha chego. Foi então que ela morreu afogada. Tô de luto até hoje.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

[Repostagem]


20:00

- Ainda tem 30 minutos, ela tem cara de pontual ou talvez chegue minutos antes - disse ele.

 Ricardo Figueiredo. Tinha por volta de 20 anos. Era alto e magro, com cabelos cacheados de cor castanha, além de uma barba de bêbado de botequim. Mas não, não naquela noite. Tinha raspado os pelos da face, passado loção pós-barbear, usado perfume importado e penteado o cabelo de modo que pareciam fios lisos. Usava um terno preto e uma gravata borboleta da mesma cor. Se sentia um babaca. Se sentia preso e, a não ser pelo aspecto de James Bond ou de Bruce Wayne (identidade do Batman, para quem não lembra) que lhe fazia bem para o ego, queria tirar logo aquela "fantasia de gente decente".
  Usualmente não se vestia assim. Calçava um tênis sujo qualquer dele ao invés daquele sapato lustrado que lhe lembrava os do avô. Camisa e calça jeans eram clichês de seu vestuário. Mas não, naquela noite compreendia que tinha que se vestir assim.
  Estava sentado no camarote do teatro, esperando a ópera começar. Não, não gostava, muito menos entedia ópera. Estava apenas esperando a amada que disse para ele estar no teatro. Apreensivo e histérico, tinha chego antes do teatro abrir, se prevenindo de algum atraso que lhe podia acontecer e que podia estragar o dia tão esperado.

  20:15

  Olhava o relógio com os olhos tensos, como quando alguém culpado faz quando está em um interrogatório, olhando para algo com os olhos bem abertos. Estava tudo escuro, então teve que forçar a vista para poder ver os ponteiros. Era 20:15, então pensou alto por um momento:

- Calma, ela ainda tem 15 minutos
  Ouvia o murmúrio das pessoas. Pensava "O que estou fazendo aqui?", mas era tarde. Sua razão dizia que estava em uma encrenca, uma enrascada. Só estava lá para impressionar a maldita (ou seria bendita?) garota dos olhos mais meigos e doces que já tinha visto. Ele podia dizer isso com veemência e verdade, uma vez que notava olhos. Achava que conseguia ler os desejos das pessoas, ver seus movimentos futuros. Admirava as "janelas da alma" daquela menina. Eram misteriosas. Guardavam algum segredo que ele não desvendava.

20:30

  Escutou um tipo de sirene. Já a tinha escutado antes, mas não tinha compreendido. Após a sirene, os espectadores se calaram, as cortinas abriram e aplausos soaram pelo teatro. A peça começara. Sem saber o que fazer, aplaudiu desajeitado. 

- Certo, 20:30. Deve estar chegando.
  O espetáculo iniciou com um solo de piano e com a primadonna adentrando no palco com um vestido curto e rasgado. Tinha lido no panfleto que a peça falava de uma pobre menina camponesa que sonhava em se tornar uma estrela na cidade. Ouvia os agudos sem entender uma palavra, se é que estava sendo dita alguma. Olhava vagamente para a mulher que fazia gestos com uma flor em uma mão e uma cesta de frutas na outra.
 Sua razão falava novamente que deveria sair, deveria deixar o lugar. Mas o emocional dizia que deveria esperar, bem como o bolso. Tinha gastado as economias de uns jogos que queria comprar para seu video-game, CD's da banda que gostava e uma calça jeans nova para aproveitar com a garota. Champagne e bombons importados dentro do carro do pai, além do terno alugado, completava a lista que começava com as cadeiras V.I.P.'s.

21:00

  Os ponteiros já se acertavam para 21:00.

- Deve estar demorando pelo fato de ser mulher. - riu amareladamente - Escolher roupa deve ser difícil.
  A essas horas do campeonato, por mais que a razão berrasse, seus argumentos eram silenciados pelo emocional, nem tanto pelo bolso. Gastaria mais se pudesse para impressioná-la, além da economia e das energias. Convenhamos que pensar em uma noite especial, mesmo que se fosse para passear no parque, deixa um homem louco de tanto pensar.
 O ato 1 tinha acabado com a personagem principal conversando com um homem com aspecto macabro que prometeu levá-la para a cidade. Após isso as cortinas fecharam para uma pausa de 15 minutos.
 Por mais leigo que fosse, sabia que deveria esperar lá durante 1/4 de hora até o show recomeçar. Tinha lido no panfleto que haveria pausas durante as cenas.
 Pegou o celular para ver se havia alguma chamada, mensagem na rede social, SMS, sinal de fumaça ou de tambor da garota de cabelos dourados. Nada, nenhuma satisfação.
 O ódio começava a consumir o espaço do amor, dividindo o espaço com a dúvida do "Talvez eu não seja o cara para ela. Talvez eu não mereça ela. Talvez ela é que não me mereça!". Estava confuso a ponto de chorar.

21:15

  Teve que se recompor rapidamente para ver o que acontecia depois que ouviu novamente a sirene tocar. Como antes, durante seus pensamentos e atos, a sirene já tinha tocado. A cortina se abrira novamente, dessa vez, com um cenário diferente, como o de um beco de uma cidade. Cada milésimo de tempo rastejava. Os segundos pareciam horas.

  Respirou fundo e pensou:
- Deve estar em um engarrafamento ou então perdeu o ônibus.
  Recomeçou a olhar a peça...

22:42

  Depois de mais uma hora de espetáculo, uma parada e diversas olhadas no relógio, a ópera tinha acabado. O teatro estava esvaziando. O aspecto de Ricardo estava horrível... A gravata havia sido arrancada de seu pescoço às 21:25, momento que achou ter visto a garota acompanhada com um outro cara, mas notou que não era a sua esperada... Às 21:36 seu cabelo estava desarrumado e havia achado que o pneu do carro em que ela estava estourara... Quando a segunda parada da ópera começou, às 21:45, ligou para a menina, que não atendeu... Lágrimas caíram quando o relógio se acertou para 22:15... Às 22:30 a peça tinha acabado, os aplausos começaram a invadir o silêncio da platéia, o terno estava aberto, as unhas roídas, os olhos inchados e achava que o vestido que ela demorou para escolher havia rasgado, que ela tinha ficado no engarrafamento e, quando se livrou dele, o pneu estourou e o carro capotou 3 vezes antes de ser atingido por um ônibus. Era a única coisa que achou para explicar tal demora, mesmo sendo completamente ridícula.

  A peça acabara com a camponesa, depois de sair do campo e virar dançarina de luxo em cabaré, localizado no tal cenário de beco, encontrou um cara rico e realizou seus sonhos. Ele apesar de ter visto tudo, não tinha prestado atenção. Saiu fracassado, derrotado, perdido. Começava a chover. Queria se matar, matar ela, matar todos. Se sentia humilhado e zombado.
- Ela disse que estaria aqui, disse que viria.

22:45

  Nesse momento ouviu a voz familiar que lhe disse:

- E então, gostou da minha brilhante apresentação?
  A voz feminina ria, enquanto o personagem da história de amor vivida e sofrida por Ricardo virava lentamente. A epifania do momento veio à tona, fazendo o tal rapaz compreender tudo. Fazendo ele compreender que ela, em momento algum disse que não estaria com ele.

 A cena da chuva revelando o rosto da amada lentamente estará sempre guardada em sua mente. Os olhos misteriosos e, copiando Bentinho, "Olhos de cigana oblíqua e dissimulada", encontraram os olhos dele. Uma música tocou em sua cabeça, sendo o tema desse momento. Cada milésimo de tempo rastejava e os segundos pareciam horas, mas não como antes. Agora ele não queria que o tempo passasse. O relógio? As horas? Que se danem. O motivo do sorriso dele estava em sua frente...




         ... o tempo todo.